Fotografia, cinema e seus instantes

A partir da exposição de Arthur Omar, vista e comentada aqui no blog (http://photolimits.com/exposicao/entre-sem-bater/), fiquei pensando nos limites entre fotografia e cinema.

 

O famoso teórico da fotografia, Roland Barthes em seu livro A Câmara Clara, diz que a fotografia não pode negar seu referente, essa é a essência da fotografia. Para Barthes, temos sempre essa certeza fotográfica, daquilo que foi. Porém, ele mesmo diz que o cinema não é a fotografia melhorada. Pelo contrário, apesar de derivar da fotografia, o cinema difere em sua essência. Na foto o referente se pôs diante da câmara e aí permaneceu para sempre, no cinema o referente passou diante da câmara, fechamos os olhos e não o vemos mais, já é outra imagem, outro referente.

 

Barthes diz que a fotografia é imóvel e que fixa o instante. Diria porém que a fotografia mesmo imóvel não tem seu instante fixo e parado.

 

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Para produzir o filme, todo instante se sucede de modo determinado e orientado. O instantâneo cinematográfico não existe sozinho, ele obrigatoriamente está ligado por outros instantâneos que o precedem e o sucedem. O tempo cinematográfico seria matemático e técnico, ligado à sucessão, à orientação e à irreversibilidade. A fotografia, diferente do cinema, é o instante em si e não uma progressão de fotogramas que se sucedem.

 

O instante fotográfico, é só ele, ligado a um tempo subjetivo e a uma experiência individual. Assim, podemos dizer que, esse instante fotográfico estaria mais ligado ao tempo qualitativo e não mensurável. A fotografia não funciona como um instante qualquer assim como o fotograma, ela refaz a duração dentro dela mesmo, em apenas uma imagem. “Assiste–se a um filme, mergulha–se numa fotografia”, diz o teórico brasileiro e professor da Unicamp, Etienne Samain.

 

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A fotografia não se estrutura por um começo, meio e fim, ela é um livre ir e vir.

 

Diferente da imobilidade do fotograma extraído da totalidade móvel do cinema, a fotografia é o seu instante, que apresenta a própria infinitude da duração em seu interior.

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Fotografia, luz e morte

A fotografia sempre dialogou com a morte, pelo seu estreitamento com o tempo, com a memória e com o passado.  Existe uma história que conta que muitos indígenas acreditavam que o aparelho fotográfico aprisionava a alma da pessoa fotografada, de uma certa maneira, matando sua essência.

 

A fotografia, desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, utiliza um aparelho que aproxima o científico do mágico ao introduzir, sempre (através da técnica), luz na escuridão. Ao trabalhar com a luz como essência, o impulso fotográfico estreita sua ligação com o sagrado. O teórico americano Kerry Brougher reforça essa idéia ao lembrar que o homem tenta eternamente iluminar a escuridão, desde o mito da caverna de Platão, numa tentativa de talvez superar as restrições do tempo, do espaço, da memória e até mesmo da morte.

 

Como dizia Roland Barthes, “(…) a fotografia tem alguma coisa a ver com a ressurreição (…).” BARTHES, 1984.

 

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Fotografamos eventos, pessoas, memórias com o intuito de imortalizá-los e superar a morte daquele objeto fotografado. Guardamos álbuns, porta retratos e cortiças para voltar àquele momento querido sempre que nossos olhos cruzam a imagem. Por outro lado, aquela imagem que queremos imortalizar, no fundo morreu. Morreu na hora que disparamos o flash. Morreu porque não somos mais os mesmos, a paisagem mudou, a vida se transformou, a emoção acabou. A alma foi aprisionada.

 

Como tanto sabemos, a fotografia é considerada a mídia do instantâneo por excelência. Ela jamais deixou de ser pensada pela problemática do tempo. No senso geral, a fotografia é tida como a mumificação do tempo: “de um tempo evolutivo a um tempo petrificado, do movimento à imobilidade, do mundo dos vivos ao reino dos mortos, da luz às trevas, da carne à pedra” DUBOIS, 1993. No entanto, a fotografia não é tão preta e branca assim, existe em seus muitos tons de cinza. Na fotografia há muitas sombras entre a luz e as trevas, entre o reino dos vivos e dos mortos, mas “se não fosse pelas sombras, não haveria beleza” TANIZAKI, 2006. A fotografia não está atrelada tão diretamente ao tempo morto ou objeto morto, ela não imobiliza o instante, ou se encerra em um único olhar, existem muitos caminhos a serem percorridos, detalhes a serem delineados.

 

Além disso, a fotografia tem o privilégio de reavivar, com particular vigor, lembranças esquecidas nas nossas mentes, perdidas e enterradas. Ao ressuscitar essas lembranças, pela luz e pelo olhar, a fotografia nos leva a refletir sobre esse passado “aprisionado” na imagem a partir de outros horizontes vivênciais adquiridos no meio tempo, e que se prolongam no presente para um futuro.

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Fotografia, viagem e arquitetura

Foi começar a escrever sobre fotografia e viagem que parece que agora só me deparo com esse tema por aí. Conheci o trabalho da argentina Corina Arrieta na 10a feira Tijuana no Rio de Janeiro. https://www.facebook.com/edicoestijuana/

 

Corina montou um livro, ou um atlas como ela explica, de fotografias achadas na internet de construções kitsch (e incríveis) visando o turismo. Como já discutimos no nosso primeiro post de viagem (http://photolimits.com/uncategorized/fotografia-e-viagem/), essas fotografias mostram o caráter espetacular que permeia a viagem, e de uma certa maneira a arquitetura atual.

 

Que confusão, agora juntei fotografia, viagem, arquitetura e kitsch!

 

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A professora da USP, Ana Fani Carlos, fala dessa arquitetura voltada para o turismo como um não lugar. O turismo, e sua aptidão para comercializar tudo, artificializa o que toca criando um mundo fictício, vazio e sem identidade: um não lugar. Como se fosse um cenário calculado para o “espetáculo” que os turistas aguardam ver, passivos.

 

É A PRIMAZIA DAS IMAGENS E DOS CLICHÊS.

 

Porém, a artista Arrieta – com uma parcela de sarcasmo – faz um tributo à arquitetura temática. Seu livro Fealdad, ordinariez y fantasia é uma homenagem a essas construções que inventam novos mundos e despertam nossas fantasias. O clássico exemplo Disney exemplifica bem esses pontos.

 

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Corina divide o livro em 4 categorias temáticas para essas instalações: o europeu, o oriental, o tropical e o moderno futurista. São divisões figurativas que exploram o espaço imaginário turístico. Representam as expectativas frente ao prazer de viajar e descobrir. Segunda a própria autora, essa arquitetura extravagante e colossal, apesar de servir para entreter e divertir, ativa a nostalgia e o imaginário. Evoca desejos do sol tropical na China e chalés alpinos no Brasil. E assim, as pessoas se divertem, relaxam, aproveitam dentro dos limites impostos.

 

Os monumentos temáticos existem para exacerbar o consumismo e entreter, mas também servem para viajantes apreciarem seu aspecto lúdico, deixando-se levar pela fantasia com naturalidade e sem grandes expectativas.

 

(Todas as fotografias deste post são imagens de divulgação da artista.)

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Fotografia e Mercado de Arte

Fotografias, números e mercado de arte

 

Amanhã, 19 de maio, acontece o leilão de fotografias da casa de leilão Sotheby’s em Londres. Para quem tiver interesse encontramos nomes como Irving Penn, Richard Avedon, Robert Mapplethorpe… – http://www.sothebys.com/en/auctions/2016/photographs-l16780.html

 

Nos últimos tempos, a fotografia vem conquistando cada vez mais espaço no mercado de arte. É nítido o surgimento de mais feiras e leilões especializados e compradores interessados pelo meio. Cada vez mais temos fotografias representadas em galerias e museus. O mercado de arte está levando a sério a fotografia.

 

Nunca se falou tanto e se usou tanta o meio fotográfico na história, a fotografia hoje é popular. Independente da qualidade dos selfies ou das fotos das redes sociais, a questão é que essa popularidade da imagem aquece o mercado.

 

Comparando com as vendas de pinturas modernas ou contemporâneas, as fotografias ainda são “baratas”. Na semana passada, em Nova Iorque, a Sotheby’s vendeu em seu leilão de arte contemporânea uma pintura abstrata de Cy Twombly de 1968 por $36.7 milhões (imagem abaixo). Vamos averiguar amanhã qual será o maior lance para uma fotografia, mas acredito que bem menor.

 

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Nos últimos anos, a foto mais cara comercializada em um leilão foi Rhein II de Andreas Gursky, vendida por $4.3 milhões no leilão da Christies em 2011.

 

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Uma grande diferença de preço, mas ainda assim uma vitória. Por ser uma mídia reproduzível, e relativamente nova, que nem sempre foi reconhecida como arte, esse valor era inimaginável para a fotografia até uns anos atrás. E mesmo que poucos fotógrafos consigam atingir essa glória no mercado de arte mundial (no Brasil nossa maior personalidade é o Vik Muniz), essa popularidade da fotografia ajuda a todos, alavancando e valorizando quem está lá embaixo também.

 

E para mais informações sobre o mercado de arte fotográfico e em geral, aguardem o novo curso de extensão da PUC-Rio em setembro de 2016.

http://cce.puc-rio.br/sitecce/website/website.dll/folder?nCurso=mercado-de-arte&nInst=cce

 

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Desacelerando a vida no vazio das fotos de Hiroshi Sugimoto

Ultimamente – por questões pessoais, políticas, tecnológicas, mundiais e tantas outras – tenho sentido tanta falta de um momento de paz. Quando digo paz penso em silêncio, calma, vazio…

 

QUERO PARAR UM POUCO!

 

O fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto trás justamente essa sensação de quietude para suas fotos.

 

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É uma imagem vazia que acalma. Mas esse vazio que falo não deve ser entendido como “falta de algo”, em oposição ao cheio. Seguindo as origens do nosso fotógrafo japonês, falo de um vazio budista (e nesse caso, zen budista).

 

Para os budistas o conceito de vazio seria radicalmente oposto ao vazio ocidental. Seria o fim das ilusões, da lógica, dos preconceitos, dos obstáculos do pensamento discursivo, seria o momento que a mente estaria pronta para compreender. Nessa esfera todos são vistos sem dicotomias, tanto o eu, como os outros, como a natureza são transcendidos.

 

Time Exposed- #367 Black Sea, Inebolu 1991

 

Nessa série Seascapes, sobre os mares do mundo, Sugimoto elimina qualquer objeto externo ao ar e à água, suprime qualquer dramaticidade da foto e com isso uma possível narrativa. A falta de palavras e explicações, a eteridade e intangibilidade dos referentes ar e água, a repetição incansável da composição geométrica yin-yang faz com que a imagem ganhe um certo “vazio”. Mas ao observar cada paisagem, percebemos que esse vazio também é um acúmulo, nesse caso, de ondas. E de tempo, porque Sugimoto deixa o obturador ligado durante mais de 20 minutos.

 

VAMOS NOS PERDER NESSE HORIZONTE INFINITO.

 

Numa anedota zen o mestre diz ao seu discípulo, “sem pressa chegamos mais rápido”. É a observação, o silêncio, a meditação e a contemplação que levam à intuição da mente e com isso ao despertar. Devemos nos perder no mundo, divagar livremente para assim compreendermos intuitiva e totalmente o zen. Não há um caminho certo para a verdade, pois já estamos nela, ou seja, não devemos achá-la mas nos fundir nela. Podemos facilmente relacionar esses conceitos à arte de Hiroshi. Suas imagens “vazias” trazem naturalmente a mente a um estado contemplativo, até mesmo de meditação. A mente sossega, acalma, para e observa, e sem pressa, vai percorrendo a imagem. Intuitivamente mergulha nos detalhes, nos acúmulos, até perceber uma transformação até, de uma certa maneira, despertar.

 

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