Fotografia e Migração

Um novo ano começa e o problema de migração mundial está longe de achar uma solução. Entre guerras e sofrimento, a crise dos refugiados continua. Sabemos que a imigração não é um problema novo, muito pelo contrário, já era amplamente discutida desde os antigos gregos. Na era moderna vivemos dois períodos migratórios intensos durante as grandes guerras. A fotografia tem sido usada para documentar o movimento de pessoas entre fronteiras geográficas e culturais há muitos anos. Os fotógrafos colocam um rosto na imigração, tornando visíveis e palpáveis seus deslocamentos, suas dificuldades e suas oportunidades também. 

 

Encorajando novas experiencias de responsabilidade e empatia com o espectador, a fotografia tem um papel fundamental de aproximar o problema da migração e aumentar e enriquecer seu debate e tomada de soluções. O problema é quando as imagens se tornam banais e já não temos mais reação diante das milhares de fotos que vemos: barcos lotados de pessoas atravessando mares, rostos exaustos e cansados, famílias sobrevivendo em campos… Quando isso acontece, o tiro saiu pela culatra, e a fotografia perde todo o seu valor, virando apenas uma publicidade oca e fútil.

 

 

O fotógrafo inglês Daniel Castro Garcia ganhou a bolsa W. Eugene Smith Memorial de 2017 com sua série “Foreigner” sobre os imigrantes. Tiradas na Sicília, França e Grécia, as imagens retratam histórias e vidas de pessoas tentando integrar uma nova cultura e novos hábitos. O projeto tenta se aproximar de cada imigrante, retratando cada história em parceria com a pessoa fotografada.

 

A Sicília é um lugar central dentro da narrativa européia da crise dos refugiados e da migração, onde os indivíduos são grosseiramente representados e escutados, e, em última análise, fazem parte de um sistema que pouco faz para integrá-los à sua nova sociedade. – Daniel Castro Garcia

 

Misturando imagens, depoimentos, parceria nas poses e retratos, e também filme, Daniel oferece uma voz, e sobretudo um diálogo entre objeto e público. Diálogo esse que cria humanidade.

 

 

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Fotografia Contemporânea e um olhar retrospectivo do ano de 2017

Em período de transição de ano, quem não fica pensando na vida? O que passou e o que virá. Me viro para a fotografia, num balanço do que vimos, pensamos, discutimos e questionamos e as perspectivas para o próximo ano. Li na revista do festival Unseen de fotografia que o presente sempre se acha especial. Acha que seus problemas e suas oportunidades são fundamentalmente diferentes e maiores do que os que enfrentou no passado. Diria que talvez seja uma questão de sobrevivência pensar assim, mas o presente não é tão diferente do passado, e existe uma enorme conexão. Mais do que isso, o passado é muito mais rico do que creditamos e mais contemporâneo do que afirmamos.

 

Vik Muniz, Audrey Hepburn em Diamantes, 2005

 

Se você olha para uma fotografia ou se conecta com qualquer tipo de projeto fotográfico – livro, revista, exposição ou site – e significa algo para você, então é contemporâneo. Não importa se é de 1839, 1967 ou de semana passada. – David Campany

 

Em muitos festivais que participamos e feiras que observamos, a fotografia hoje sofre com a economia de mercado que demanda retorno rápido, dificultando a aposta em novos talentos e imagens originais e recolocando em circulação unicamente o certeiro: seja a imagem clássica ou a imagem contemporânea que vendeu. Esse mercado, com seu medo de diversificar demais, fica estagnado em nomenclaturas e modismos: o que estará “bombando” em 2018?

 

Barry Lategan, 1966, Twiggy

 

Mas cuidado! Olhe para além do óbvio, olhe para além do último lançamento, olhe para além das imagens ícones. A fotografia dialoga com todas as suas imagens ao longo de sua trajetória, com sua história, com a cultura global e sobretudo com narrativas subjetivas e pessoais. A fotografia não é certeza ou afirmação, é apenas tentativa. Assim como a vida.

 

Para 2018, desejo a todos um novo ano de resistência conjunta em novas aventuras visuais.

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Relatos pessoais de uma fotógrafa, ou a fotobiografia

Ainda em torno do trabalho da artista Sophie Calle que falamos no início no mês passado, gostaria de pensar sobre a imagem pública se misturando à vida pessoal, ou o termo fotobiografia, que significa literalmente um relato visual da vida de alguém. Em seu trabalho, Sophie perpassa esse sentido exato e dá outras interpretações.

 

Sophie Calle é uma artista francesa que trabalha com fotografia, vídeo, performance e texto. De forma bastante conceitual, suas obras partem de suas experiências pessoais para fazer um contraponto entre a nossa vida privada e a vida pública. Ao utilizar momentos da sua vida, sua obra não é uma forma de terapia ou um narcisismo radical de querer aparecer, mas uma fonte de inspiração para falar de questões maiores sobre a arte e sociedade hoje.

 

Meu trabalho não tem nada a ver com a intimidade. Quando uso minha vida, não é minha vida, é uma obra colocada na parede. – Sophie Calle

 

Detective, 1981, Sophie Calle

Um de seus primeiros projetos, Suíte Vénitienne (1979), Sophie segue um homem desconhecido pelas ruas de Paris fotografando e anotando suas ações, como um detetive. Coincidentemente, ela é apresentada a ele em um vernissage e descobre seus planos para viajar à Veneza. Resultado, ela continua o seguindo pela cidade italiana. Em outro trabalho, de 1981, ela pede para mãe contratar um detetive para segui-la, e ela guia o detetive por seus lugares preferidos de Paris, sem ele saber. Aqui ela fotografa e é fotografada, paradoxalmente é objeto e está no comando do aparelho fotográfico.

 

Suite Vénitienne, 1979, Sophie Calle

 

Prenez soin de Vous (Cuide de Você), 2007, acontece depois de receber uma carta de rompimento de seu namorado. Sem saber como responder à carta, ela convida 107 mulheres de diferentes profissões para analisar, interpretar e responder a carta para ela; seja por escrito, dançando, em imagem… O resultado desse trabalho foi exposto na Bienal de Veneza de 2007 e veio ao Brasil em 2009.

 

O termo “fotobiografia” foi utilizado pelos fotógrafos Claude Nori e Gilles Mora em 1983 com o intuito de descrever uma intenção de embaralhar a objetividade fotográfica com a ação proposital de uma pessoa que se mistura à representação: ela é ao mesmo tempo personagem e autor da representação imagética. Como a fotografia arrasta com ela o peso da “realidade”, quando vemos as imagens de Sophie imaginamos uma documentação detalhada de sua vida pessoal. Mas o que ela faz é precisamente o contrário, um jogo com o real.

 

Prenez Soin de vous, 2007, Sophie Calle

 

Esse atentado ao realismo fotográfico, como estamos acostumados, é feito de maneira leve e até jocosa na obra da artista. Ela questiona sutilmente a realidade de quem somos ou o que pensam(os) que somos. Susan Sontag disse que em nossa sociedade hoje, a realidade está cada vez mais parecida ao que nos mostram as imagens, atribuímos às coisas reais qualidades imagéticas. Através da imagem e de pequenos textos, Sophie Calle faz sua vida pessoal parecer fatos, mas a sua fotobiografia se relaciona mais à ficção do que à documentação de seu cotidiano.

 

 

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Vamos falar sobre o fotolivro?

O termo fotolivro – ou livro de fotografia, ou ainda livro de artista – tem sido cada vez mais utilizado no meio da fotografia. Mais do que isso, cursos, prêmios, editoras estão cada vez mais investindo nesse caminho. Recentemente, escutei da fotógrafa Claudia Jaguaribe, que além de fotógrafa também tem a editora Madalena de fotolivros, que a fotografia é a melhor mídia para o livro, pois é uma obra em si. Essa frase me fez querer pensar o formato da fotografia em livro.

 

Diferentemente da pintura, que tem suas imagens reproduzidas nos livros, ou o vídeo ou a performance, a fotografia em formato de livro não é uma reprodução mas o trabalho em si. E, diferentemente da exposição na parede, pode encontrar milhões de alternativas originais de apresentação. O fotolivro é em si uma arte dotada de estrutura própria, narrativa intricada e coerência visual e intelectual.

 

Gerry Badger descreve o fotolivro como “um tipo particular de livro fotográfico, em que as imagens predominam sobre o texto e em que o trabalho conjunto do fotógrafo, do editor e do designer gráfico contribui para a construção de uma narrativa visual”. É apenas uma descrição, dentre tantas possíveis. Aqui gostaria de abrir um pouco mais essa definição, e pensar em projetos fotográficos que desde o início foram feitos para serem vistos na forma de livro. Muitos fotógrafos se consagraram ao longo da história da fotografia e vários são os exemplos de fotolivros ícones: The Americans, 1958, de Robert Franck, American Photographs, 1938, de Walker Evans, The Golden Years, 1995, Nan Goldin, Think of England, 2000, de Martin Parr, Genesis, 2013, de Sebastião Salgado, entre tantos e tantos outros.

 

 

A obra é a extensão de seu autor, e o fotolivro é uma de suas melhores traduções.

 

Através da sequencia de imagens – textos, e objetos- uma relação visual é criada entre as fotos; criando metáforas, simbologias, narrativas, e acrescentando mais camadas e profundidade ao ensaio do fotógrafo. O fotolivro não é um punhado de imagens colocadas juntas aleatoriamente, mas, como já descreveu Gerry, um trabalho de vários profissionais em pensar o ensaio dentro de um tema, uma forma, um estilo e uma ideia maior que perpasse um conjunto de imagens.

 

O fotógrafo Ivan Padovani, por exemplo, tem um lindo fotolivro do seu trabalho “Campo Cego”. Querendo mostrar o caos da cidade através das empenas dos prédios de São Paulo, suas imagens são impressas em papel transparente, criando camadas de linhas e formas visuais.

 

Ivan Padovani, Campo Cego, 2015

 

O fotolivro permite duas outras coisas. Primeiro, atingir um público maior, democratizar a obra de arte, e quebrar com a obra numerada, assinada e emoldurada na parede da galeria ou museu. Segundo, de criar um diálogo mais intimo com esse público. Ao folhear o fotolivro, como qualquer livro, somos transportados a um lugar, a uma sociedade, a uma história pessoal. Podemos voltar, reler, parar, ficar e saímos do registro documental da imagem para uma conversa pessoal e criativa.

 

O livro de artista nada mais é que a obra de arte pensada no formato livro/publicação. É mais uma rica oportunidade para fotógrafos e artistas de explorar outras linguagens e conexões.

 

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Fotografia e o Sublime

Immanuel Kant foi um filósofo alemão do século XVIII, considerado um dos pais do pensamento moderno. Em resumo, Kant trabalhou pensando entre o empirismo e o racionalismo. Discutiu metafísica, política, e também a sensibilidade da homem, ou a estética. Dentro disso, ele discorre muito sobre o belo e o sublime. Segundo ele, a experiência do belo é uma experiência de conformação de mundo, que lida com a forma dentro dos seus limites. Diferentemente do belo, a experiência do sublime é o momento onde a imaginação, atordoada por um excesso de grandeza ou poder, falha em “compreender” e exalta.

 

Kant, em toda sua análise, não entra muito no mérito do sublime nas artes, muito menos na arte fotográfica. Nada impede que tratemos agora desta questão, mais precisamente do sublime na fotografia.

 

Thomas Ruff, 1989

 

O que poderia aproximar a fotografia da experiência do sublime? A sua relação com o referente.

 

A fotografia está ligada ao real, e com isso tem uma reflexão diferente de outras formas de arte. A pintura pode imaginar o referente, pinto uma casa sem tê-la visto. A fotografia não apenas relembra o passado, ela trás uma suposta comprovação do passado, atesta que o que vejo agora na foto, de fato existiu. A fotografia coincide com seu o status de documentação, certamente mais que qualquer outra arte, e com isso nos coloca numa presença imediata do mundo, de ordem quase metafísica.

 

Cada foto vem nos abalar, nos lembrar da nossa própria existência e assim, da nossa própria morte, fazendo com que tudo mais se torne pequeno, sem sentido e sem importância. A fotografia nos cria um abalo interno, uma angustia, um prazer e um desprazer diante da foto, uma experiência do sublime. Excedemos nossa capacidade de esquematização, damos asa a nossa imaginação e quebramos as amarras. A fotografia nos provoca a experiência de algo de outra ordem, ou seja, passamos a ser capazes de conceber algo maior, ou mais poderoso: algo sublime.

 

The Tetons and the Snake River, Wyoming, 1942, Ansel Adams

 

*mais considerações sobre a fotografia e o sublime aqui.

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