Hollywood: Criando mitos

No início os filmes nem sequer citavam os nomes dos atores, o público reconhecia os rostos familiares como sendo a Biograph ou a Vitagraph Girl (produtoras de cinema da época). Em 1911, a revista Motion Picture World pediu para os produtores de Hollywood colocarem na tela o nome de seus principais intérpretes. Os tipos iam se fixando no imaginário do público – certos atores eram vilões, algumas atrizes eram vamps. Alguns executivos dos estúdios eram particularmente habilidosos na manipulação do Star System, L. B. Mayer lançou as duplas Greta Garbo – John Gilbert, Mickey Rooney – Judy Garland, Clark Gable – Jean Harlow, Spencer Tracy – Katherine Hepburn.

 

Foi uma das grandes jogadas da indústria cinematográfica. Por meio da imagem das revistas especializadas, colunas de fofocas em jornais, escândalos, inventados ou não, criavam-se estrelas da noite para o dia. O público passa a se identificar com seus astros prediletos, e a partir daí consome tudo aquilo que tem alguma ligação com a estrela em questão.

 

A estrela era laboriosamente construída, para formar a imagem e produto ideal, aquele que todos querem consumir. Com isso, muitos atores que na época foram considerados verdadeiros galãs, que faziam as filas das estréias lotarem, muitos casais considerados perfeitos, que faziam as mocinhas torcerem para o difícil final feliz, e muitas vedetes consideradas virginais e ingênuas não passaram de imagens inventadas, criadas para satisfazer os anseios do público.

 

Cecil Beaton, Marilyn Imortal, 1956.

 

E o star system continua atualíssimo, em Hollywood, na Globo ou no SBT. A “fotografia de fofoca” continua sempre em alta.

 

Mas, o que nos leva a simpatizar com galãs falsos e histórias mal contadas? Todo relacionamento entre nós e o ator, inclusive a opinião que temos acerca de seu trabalho, tem que ser transmitido afetivamente, através de uma conexão inconsciente, um vínculo tácito.

 
 

A fotografia é a prova, uma das mais firmes, da existência de um fato.

 

 

Cecil Beaton, Rudolf Nureyev, 1960

 

A imagem tem uma forma intrínseca e natural de manipular, ela tem na sua essência o poder da verdade, afirmando uma realidade que passa a ser a verdadeira, e portanto hegemônica. Quando uma foto nos toma por completo, os fatos que sabemos falsos podem nos levar a uma realidade superior, mais forte, mais penetrante, e decisivamente mais real do que a própria realidade. Somos guiados por artifícios e transportados na ilusão. E gostamos.

 

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Fotografia e ausência

Fotografia é ausência. O ato de fotografar vem com várias camadas de ausência, do espectador na imagem, do objeto fotografado, do tempo em que o objeto foi fotografado… Fotografar lida com o referente, um objeto que esteve lá mas que agora é ausência, como entendemos, revelando apenas distância: entre o espectador e o que ele vê.

 

Em seu livro 35 da História Naturalis, Plínio, o filósofo, nos conta a história da filha de um oleiro de Sicion que estava apaixonada por um rapaz que repentinamente teve de partir para uma longa viagem. Na cena de despedida, os dois enamorados estão em um quarto escuro, iluminados apenas por uma vela, ou um fogo, que projeta a sombra dos jovens na parede. Para guardar a memória do amante e seu traço físico atual, a moça desenha com carvão a silhueta do amado para fixar a imagem daquele que está ali agora, mas logo estará ausente. Percebemos que essa fábula sobre a origem da imagem nos remete ao referente: a sombra é índice, e essa figura desenhada com carvão é seu referente, literalmente seu traço.

 

Ausência do ser amado.

 

 

Em seu último trabalho,  “Ausência”, a fotógrafa Nana Moraes nos coloca em contato com histórias de algumas presas do Presídio Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Segundo capítulo de sua trilogia “DesAmadas” sobre mulheres marginalizadas (o primeiro foi “Andorinha” sobre prostitutas da Dutra) a fotografa retrata o difícil tema da maternidade nas prisões.  Além das imagens que faz, Nana conta as histórias dessas mães encarceradas longe de seus filhos, histórias que perpassam todos os níveis de ausência: do ser amado, da alma, da vida, da sociedade, do céu, do amor.

 

Com sua câmera, Nana capta as presas, suas celas, seu ambiente na prisão e também suas famílias do outro lado do muro. Mas ela vai além das imagens e cria um projeto de comunicação através da troca de cartas entre as detentas e suas famílias. O resultado final são imagens sensíveis e frases comoventes dessas duas vidas: de um lado as detentas, do outro seus filhos.  Com suas próprias mãos, a fotógrafa, agora bordadeira, também costura (12) colchas e retalhos das imagens, palavras e emoções recolhidas. Entre saudade e ausência, ela vai costurando no tempo.

 

“Quis fazer eu mesma todo o trabalho de costura pois ninguém nunca fez nada para essas mulheres.” – Nana Moraes

 

Assim como a própria mídia fotográfica, Nana reverte a ausência e preenche os relatos femininos, os amores despedaçados. A fotógrafa costura cada fenda e cada machucado, e de imagem em imagem, traça um novo caminho, mais pleno, para as detentas. Ao reverter a palavra ausência em plenitude, a fotógrafa dá uma nova chance a cada presa retratada e a cada espectador que embarca nesse projeto.

 

 

*A exposição “Ausência” de Nana Moraes fica em cartaz no Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, até dia 06 de agosto de 2017. Dia 29 de julho, ela fará uma mesa redonda sobre o projeto, às 16 hrs, no mesmo local.

 

 

 

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Fotografia e magia

A fotografia tem uma mística e um caráter mágico até hoje, mesmo com toda a banalização da imagem dos últimos tempos. É notório o fácil acesso e difusão da fotografia, com qualquer um que pode tirar uma foto com o celular e em segundos repassar para o mundo e o enorme número de imagens que vemos em todos os lugares e em todos os momentos. Mas a fotografia tem sua magia. Uma foto testemunha uma sensibilidade especial diante do real. O fotógrafo procura sempre pelo mistério.

 

Como já falamos algumas vezes por aqui, a relação entre fotografia e real nunca foi simples e inocente. A fotografia foi inventada por causa de um desejo ancestral de mimesis. E como podemos interpretar dos filósofos gregos, a imitação é uma tentativa de copiar o mundo das ideias, ou em outras palavras, uma tentativa de representar um lado mágico da natureza.

 

E os feitiços da fotografia? Para o escritor francês Honoré de Balzac, a câmara fotográfica não atingiria os corpos, mas a alma, retirando uma camada do espírito humano a cada clique. Tribos indígenas também acreditavam nessas bruxarias fotográficas e tinham medo de serem fotografadas.

 

Quais seriam os feitiços metafóricos da fotografia hoje?

O teórico Vilem Flusser dizia que o espaço-tempo construído a partir da fotografia é próprio da magia. Como já falamos aqui, a fotografia se caracteriza por uma espera dentro do tempo e do espaço, onde tudo se repete em diferentes camadas de tempo, dentro de uma duração e não de um instante linear. O mundo da magia é estruturalmente diferente do mundo da linearidade, onde tudo é um efeito e causa. Por exemplo, no mundo linear, o pôr do sol é a causa da chegada da lua. No mundo mágico, o pôr do sol significa amor ou solidão… As imagens têm um significado mágico.

 

A fotografia identifica o verdadeiro caráter do mundo mágico.

 

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

A fotografia significa tanto um fim quanto um começo para a representação. Pierre Taminiaux, The Paradox of Photography (2009)

 

Me deparei há poucos dias com o ensaio “Pigmento Ancestral” de Zé Barretta. O fotógrafo, a partir de imagens documentais da região da Serra da Capivara, recriou um universo particular. Apenas com seu recorte, luz e olhar, ele questionou o real, o que nos é dado e mais do que isso, inventou um universo mágico. Cada um coloca suas próprias referências. Esse ensaio propicia um diálogo sobre a ambigüidade entre o real e o imaginário, e também, uma reflexão sobre o que se espera das imagens fotográficas, e mais ainda, um questionamento sobre a imagem fotográfica em si. O que é real, o que é ilusão, espaço, tempo, memória, como se dá nossa percepção.

 

Dialogando com a própria essência da fotografia e seu caráter indicial, as pinturas rupestres nas paredes da caverna são indíces, referentes de algo passado que ficou para nós no momento presente. Pode ser uma linguagem, uma representação, não sabemos hoje. Mas como indaga o próprio fotógrafo, e se esses símbolos não fossem nem referentes, nem linguagem, mas apenas uma forma de conectar-se com a natureza e transformá-la. E a partir dessa indagação, ele pensa a fotografia e fotografa criando o mágico.

 

Zé Barretta, Pigmento Ancestral

 

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Sobre as leituras de portfólio

Já participei de várias leituras de portfólio, algumas vezes com meu portfólio embaixo do braço, e olhos ligeiros diante das opiniões dos outros. E muitas outras vezes nos bastidores, produzindo esse encontro.

 

Para quem não sabe, leituras de portfólio são encontros entre fotógrafos – com seus portfólios – e experts diversos do universo fotográfico: galeristas, curadores, colecionadores, pesquisadores, editores… Existem alguns formatos; as vezes o fotógrafo fica com seu portfólio aberto e os leitores passam pelas mesas, outras vezes, a mesa acontece com mais de um fotógrafo e mais de um leitor propiciando um diálogo entre todos, e uma troca de opiniões. E o mais comum dos casos, e o que participei como leitora pela primeira vez, a versão “oráculo”, onde o leitor fica na mesa sentado e o fotógrafo troca de mesa com seu portfólio, de leitor em leitor.

 

Quando fotógrafa nas leituras, na época que ainda acreditava que tinha garra para ser fotógrafa (descobri justamente nas leituras de portfólio que não era para mim), vários leitores usaram dessa “plenitude” oracular para julgar, opinar subjetivamente e dar um parecer final sobre meu trabalho. Nada mais longínquo do propósito das leituras.

 

Felipe Fittipaldi, Eustasia

 

Quando produtora das leituras, era muito animador observar o diálogo propiciado pela discussão e troca de experiências em um ambiente que respirava apenas fotografia. Já caindo no clichê, vi muito olhar brilhando ao se deparar com uma nova produção imagética instigante. É um alento nesse mercado tantas vezes preguiçoso.

 

Bom, agora, como leitora nas leituras, devo dizer que foi tudo que eu imaginei, e muito mais. Tentei deixar meus pré-conceitos de lado, olhar para o fotógrafo, e sem nenhuma pretensão de oráculo apenas respirar fotografia, trocar histórias, pensar o ato fotográfico e viajar na magia dessa mídia. E foi uma bela viagem! Vi universos fantásticos, questionamentos sobre a identidade urbana, o real, auto-retratos surreais, que falam mais sobre nós que sobre o outro, poéticas documentais, fotografias tri-dimensionais, performances imagéticas, relações humanas… Cada fotógrafo foi extremamente generoso e minha mente ainda viaja nas possibilidades de tantos ensaios desafiadores.

 

Luiz Baltar, Fluxos

 

Mas como fazer para continuar motivados?

 

Essa foi a questão que todos me fizeram. Não soube responder. Ainda não sei. Mas acho que ter esse espaço de troca e debate, bastante democrático, de generosidade e inspiração, ajuda a pensar novos caminhos e novas parcerias entre fotógrafos e o mercado fotográfico. O mundo está em crise, o país ainda mais e a cultura…por onde começar! Diria que a solução, por enquanto, só se vier de dentro. A boa notícia é que tem muita gente boa, nova e antiga, pensando a contemporaneidade, produzindo ideias, procurando soluções para a mídia fotográfica e o escoamento de toda essa produção. Vamos continuar pensando juntos, aqui, ali e acolá.

 

Lucas Gibson, Osaka Nightlife
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Fotografia e vida

Li uma reportagem recente na revista Zum que falava, na minha interpretação, de uma fotografia que cria vida. Essas expressões logo me empolgaram pois sempre defendi uma fotografia que não apenas registra e mobiliza o instante mas que, sobretudo, cria e comunica; entorna para além dos limites do visor e do instante.

 

A reportagem fala muito de imagem e tecnologia, imagens que hoje não tem o olhar humano por trás e que criam novos entendimentos, novos caminhos e mundos. Estamos falando das imagens do google, de satélites, de câmeras de segurança, que enquadram o mundo a partir de uma visão totalmente mecânica mas que não por isso deixam de mostrar outros olhares interessantes sobre o mundo, como os fotógrafos.

 

Doug Rickard

 

Não querendo estender essa discussão, a professora Joanna Zylinska debate muito melhor sobre suas ideias na reportagem, fiquei pensando na questão da fotografia criar vida, em oposição aos termos que explicam a fotografia como uma mídia que mata, corta e retira. A fotografia cria, acrescenta e desvela.

 

“Apesar da questão da memória na fotografia ser sem dúvida relevante, eu sinto que alguma coisa se perdeu com essa monumentalização unilateral.” – Joanna Zylinska

 

A vida seria um prolongamento contínuo do passado no presente que penetra no futuro, um fluxo substancial do espírito, uma realidade movente, una e simples. Pulsação. A fotografia é isso. O instante fotográfico é uma miragem pois é impossível retirar um ponto singular do fluxo temporal.

 

Storm in a Teacup, Mark Murphy, 2016

 

O teórico brasileiro e estudioso da linguagem fotográfica Maurício Lissovsky acredita que o instante pode, sim, ser fluxo de vida e tempo. A estética da foto, segundo Lissovsky, está entre o olhar do fotógrafo e o dedo que aperta o botão. É essa brecha – que ele chama de espera – que vai realmente significar a imagem fotográfica. Ou seja, graças a essa espera entre o olhar e o apertar, o fotógrafo retira a imobilidade da foto e a faz imergir no tempo, transformando-a em criação viva e parte ativa dos movimentos do tempo. A fotografia não interrompe a duração e o movimento, como acreditamos, ela não vem de fora, clica a imagem e prende o tempo dentro dela, mumificando-o. Ela vem de dentro, é imanente. Seria a teoria imanente do instante, como pontua o próprio Maurício, onde o instante é algo que nos acontece interiormente e não algo exterior, que rompe e imobiliza.

 

“A fotografia como tal permanece refém da noção de uma instantaneidade artificial que se abate sobre o tempo e a duração como a guilhotina do carrasco arranca a vida do condenado. Nada poderia ser mais enganoso.” – Maurício Lissovsky

 

 

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