Sempre que vejo fotografias antigas em feiras, álbuns velhos de família que em vez de estarem na prateleira da casa da avó estão em algum brechó ou sebo, experimento uma sensação de curiosidade e pudor. Me sinto invadindo outras vidas, outras sensações que vão muito além da diferença de espaço e tempo. E viajo ao imaginar quem seria a pessoa posando, como se chama o casal na praia, o que viraram aquelas crianças que hoje nem devem mais existir.
OLHAR PARA UMA FOTO ANTIGA TRAZ UMA CERTA NOSTALGIA.
Muito artistas, de diferentes maneiras, se reapropriam de fotografias antigas para contar novas histórias e levantar novas questões. Como o projeto “Fotos dos outros”, desenvolvido há alguns anos por Fabiano Lemos.
http://fotosdosoutros.tumblr.com
Munido de “pedaços” de histórias – cadernetas, livros, lembretes, diários, catálogos e fotografias – o artista por trás desse projeto procura traçar novos rumos para imagens antigas. Como o próprio autor fala em seu tumblr, o projeto levanta questões como “os limites entre amadorismo e arte, o caráter anônimo das imagens”…
Eu gostaria de pensar esse projeto em diálogo com a fotografia. Suas intervenções de fotos garimpadas, texto e objetos de época – como figurinhas – intercalam modernidade e anacronismo, articulam um passado e um porvir. Fabiano quebra com o tempo embalsamado da imagem fotográfica: antiga e carregada de história. Em seus álbuns, ele manipula fotografias causando uma desconstrução temporal em que o passado é reinventado e reinserido no presente com uma narrativa para o futuro. Seus textos adicionam um movimento, recriando histórias curiosas para as fotografias passadas, tirando-as do isolamento de um evento esquecido no espaço e tempo e trazendo-as para o momento atual de criação.
“Fotos dos outros” subverte a prática fotográfica e coloca em questão a realidade. Sai da estreita relação com o visual mergulhando o espectador numa nova realidade , onde ele mesmo poderá recriar aquelas imagens. E matar a curiosidade na invenção das histórias.
Os personagens e cenas mortas ganham vida nas obras do projeto e as imagens ressurgem em um movimento de ressureição. E Fabiano vai além da fotografia. Ele sai do momento inicial do clique, onde tínhamos fotógrafo, aparelho e objeto fotografado, e articula uma multiplicidade de outros atores, transbordando para além do tempo, da narração e da representação.
É um jogo lúdico, irônico e engraçado que discute o ato fotográfico, a questão de autoria, memória, tempo e representação.