Fotografia e cidade

A exposição Natureza Concreta está em cartaz na CAIXA cultural no Rio de Janeiro até novembro com 94 obras de 17 artistas e um coletivo brasileiros. Entre vídeos, fotografias e instalações, a exposição fala da interação entre o homem, a natureza e a cidade; como se dá essa relação e os diferentes olhares possíveis. Temas como habitação, mobilidade, ecologia, perpassam a curadoria de Mauro Trindade e nos aproximam de uma reflexão sobre o meio ambiente, assunto importante a ser tratado também na arte.

 

As belas paisagens, daqui a algum tempo, poderão ser lembradas apenas por fotos.

 

Luiz Baltar, Fluxus, 2015

 

As obras mostram o quanto o ser humano é capaz de criar diante de um ambiente hostil, como vão se propondo caminhos onde o antagonismo entre cidade e natureza parece estar suspenso, ou, ainda, como é possível quebrar, de maneira lúdica, a rigidez e a frieza do urbano. A interpretação do olhar é bastante diversa, as vezes mais lúdica, outras vezes mais irónica, passando por uma crítica radical ou então por um envolvimento afetuoso com o objeto.

 

Pensar o urbano e o meio ambiente acaba resultando em indagarmos sobre a nossa própria identidade e nossa interação com o espaço vital. A fotografia ajuda a dar visibilidade a perguntas como: qual nosso papel no espaço da cidade, nos limites da paisagem e da arquitetura? Entre os fotógrafos participantes temos Alexandre Sant’Anna, Bruno Veiga, José Diniz, Ana Stewart,  Cássio Vasconcellos, Gilvan Barreto, Marco Antonio Portela, Luiz Baltar, Pedro Motta, Claudia Jaguaribe, entre outros.

 

Natureza e a biologia não são mais destino, mas incerteza e transformação. – Mauro Trindade

 

Claudia Jaguaribe, Quando eu vi – bibliotecas, 2017
Continue Reading

David Hockney e a fotografia

O artista inglês David Hockney comemora seus 80 anos esse ano e vários museus pelo mundo estão celebrando sua vida e sua obra, incluindo o Pompidou em Paris que produziu uma retrospectiva com 160 obras, incluindo suas séries fotográficas.

Hockney sempre se interessou pela tecnologia da imagem, através da câmera fotográfica, celular, ipad e afins, ele experimenta inúmeros caminhos pelo universo visual que tanto o fascina. Como tema, ele se interessa pelo cotidiano e o simples – familiares, amantes, colecionadores, paisagens ao redor, objetos da casa – sem hesitar em homenagear, brincar e pegar emprestado estilos como o cubismo, o fauvismo, e elementos de artistas que ele admira como Matisse, Bacon, Picasso… Hockney desenvolve seu trabalho num estreito diálogo entre tecnologia, técnica, pintura e história da arte.

 

Eu acho que a fotografia também nos causou alguns danos. Nos fez ver tudo de uma maneira similarmente chata. Vivemos numa época em que um vasto número de imagens produzidas não se proclamam arte. Elas declaram algo muito mais dúbio. Elas se declaram reais.  – David Hockney

 

 

Nos anos 70, ele começa sua série fotográfica de colagem chamada joiners (marceneiros), primeiro usando impressões de polaroid e depois negativo 35 mm, chegando até impressões a cores comerciais. Usando várias impressões de fotos de diferentes ângulos e momentos de um único assunto, Hockney organiza uma colcha de retalhos para criar uma única imagem final. 

 

Se distanciando da perspectiva clássica induzida pelo olhar da câmera, Hockney experimenta com outras visões espaciais e temporais, dialogando com o movimento, com os diferentes pontos de vistas do cubismo e com a filosofia bergsoniana. A fotografia ganha uma dimensão mais alargada, se expande de tal forma que permite ao espectador uma percepção de uma realidade múltipla que nos é apresentada como resultante de diversos instantes. Cada pequena imagem que compõe o joiner surge um novo olhar, uma nova realidade.

Como dizia o filósofo francês Henry Bergson, nós não apreendemos a vida de maneira sucessiva e instantânea, mas ao contrário, em fluxo contínuo.  Com suas inúmeras imagens que compõe uma imagem única, Hockney torna o tempo visível, ou seja, ele mostra ao espectador as mudanças, o fluxo do tempo. Ele nos tira da sucessão de instantes cortados, para com a profusão deles, nos colocar dentro de diferentes momentos de espaço e tempo. Nossa percepção clássica do espaço exterior é quebrada e o movimento de seus joiners nos envolve com o movimento dos elementos em cena, incluindo tempo e espaço. 

 

E aqui estamos dialogando com a fotografia e não com o cinema, pois o referente se coloca diante da câmera, sem atravessa-la. E em cada imagem, nossa visão é forçada a perceber cada detalhe, num movimento de acumulação contínua da totalidade do tempo, desvendando o que Bergson chamava de duração.

 

 

*a exposição David Hockney – une retrospective fica em cartaz no Centre Pompidou em Paris até dia 23 de outubro de 2017.

 

 

 

Continue Reading

Fotografia e ausência

Fotografia é ausência. O ato de fotografar vem com várias camadas de ausência, do espectador na imagem, do objeto fotografado, do tempo em que o objeto foi fotografado… Fotografar lida com o referente, um objeto que esteve lá mas que agora é ausência, como entendemos, revelando apenas distância: entre o espectador e o que ele vê.

 

Em seu livro 35 da História Naturalis, Plínio, o filósofo, nos conta a história da filha de um oleiro de Sicion que estava apaixonada por um rapaz que repentinamente teve de partir para uma longa viagem. Na cena de despedida, os dois enamorados estão em um quarto escuro, iluminados apenas por uma vela, ou um fogo, que projeta a sombra dos jovens na parede. Para guardar a memória do amante e seu traço físico atual, a moça desenha com carvão a silhueta do amado para fixar a imagem daquele que está ali agora, mas logo estará ausente. Percebemos que essa fábula sobre a origem da imagem nos remete ao referente: a sombra é índice, e essa figura desenhada com carvão é seu referente, literalmente seu traço.

 

Ausência do ser amado.

 

 

Em seu último trabalho,  “Ausência”, a fotógrafa Nana Moraes nos coloca em contato com histórias de algumas presas do Presídio Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Segundo capítulo de sua trilogia “DesAmadas” sobre mulheres marginalizadas (o primeiro foi “Andorinha” sobre prostitutas da Dutra) a fotografa retrata o difícil tema da maternidade nas prisões.  Além das imagens que faz, Nana conta as histórias dessas mães encarceradas longe de seus filhos, histórias que perpassam todos os níveis de ausência: do ser amado, da alma, da vida, da sociedade, do céu, do amor.

 

Com sua câmera, Nana capta as presas, suas celas, seu ambiente na prisão e também suas famílias do outro lado do muro. Mas ela vai além das imagens e cria um projeto de comunicação através da troca de cartas entre as detentas e suas famílias. O resultado final são imagens sensíveis e frases comoventes dessas duas vidas: de um lado as detentas, do outro seus filhos.  Com suas próprias mãos, a fotógrafa, agora bordadeira, também costura (12) colchas e retalhos das imagens, palavras e emoções recolhidas. Entre saudade e ausência, ela vai costurando no tempo.

 

“Quis fazer eu mesma todo o trabalho de costura pois ninguém nunca fez nada para essas mulheres.” – Nana Moraes

 

Assim como a própria mídia fotográfica, Nana reverte a ausência e preenche os relatos femininos, os amores despedaçados. A fotógrafa costura cada fenda e cada machucado, e de imagem em imagem, traça um novo caminho, mais pleno, para as detentas. Ao reverter a palavra ausência em plenitude, a fotógrafa dá uma nova chance a cada presa retratada e a cada espectador que embarca nesse projeto.

 

 

*A exposição “Ausência” de Nana Moraes fica em cartaz no Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, até dia 06 de agosto de 2017. Dia 29 de julho, ela fará uma mesa redonda sobre o projeto, às 16 hrs, no mesmo local.

 

 

 

Continue Reading

Vamos falar sobre mulheres e a imagem?

Durante o mês de junho, o Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, está com uma programação bem interessante de debates sobre as mulheres e a imagem. Mais do que interessante, uma discussão necessária!

Já rolaram três mesas até a publicação desse post. Dentre elas, uma sobre o processo de criação e identidade da YVY- mulheres da imagem, em que fui mediadora. Não sou uma pessoa muito politizada, ou melhor, sou muito politizada, mas nunca consegui sentir o lado mais espiritual da política. Sinto na arte, e na fotografia, e acredito que com a arte podemos melhorar o mundo, e ajudar a democratização.

 

Nova logo – YvY, mulheres da imagem

 

A mesa que participei foi bastante interessante, por vários motivos. Normalmente, em debates ouvimos mais sobre o resultado e menos sobre o processo. Essa mesa foi muito cativante pois focou no processo de criação, de organização, nos propósitos em discussão, as dificuldades e os anseios em pauta. Através de inúmeros depoimentos de mulheres presentes me surpreendi e me envolvi na busca por algo maior, por um sonho ideal e coletivo de igualdade e justiça. Pela primeira vez, entendi a política como um caminho também espiritual.

 

Um sonho? Sim. Mas que elas estão trabalhando muito para tornar uma prática. Vamos nos juntar?

 

Os três pontos que mais me chamaram atenção foram:

  1. uma organização horizontal. Diferente da organização vertical tão difundida na sociedade patriarcal, porque não tentar uma outra alternativa mais igualitária e criativa.
  2. o discurso pela representatividade. Apesar da mesa em questão não ter muita representatividade, o projeto quer e procura mais representatividade de mulheres, e pessoas que se identificam enquanto mulheres, de todo o Brasil.
  3. A arte como arma de luta coletiva através da melhor arma que temos: a imagem.

 

Mais informações sobre ações e encontros da YVY – mulheres da imagem no facebook.

Abaixo a programação completa do ciclo de debates do FotoRio, Mulher em Foto:

Cada mesa acontece de 17 às 19h, no Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro.

 08/06: Fotógrafas brasileiras na foto de 6 Nov 2016 – com Andreas Farias, Bruna Prado, Luciana Macedo, Simone Marinho e Wania Corredo – Mediação: Marcella Marer.

09/06: YVY – Mulheres da Imagem – Organização: Marizilda Cruppe, com Bárbara Cunha (PE), Claudia Ferreira (RJ), Flávia Correia (AL), Isabella Lanave (PR) e Maíra Cabral (MG) – Mediação: Ioana Mello.

10/06 – Débora 70 – “Trajetória” e Fernanda Chemale – “Rastros d’Eus” – projeção com debate – Mediação: Cristina Zappa.

13/06: Fotógrafas Pretas – com Fernanda Dias, Lita Cerqueira e Valda Nogueira (Imagens do Povo) – Mediação: Thaís Rocha.

20/06: Mulher, fotografia e história – com Maria do Carmo Rainho, Thereza Bandeira de Mello e Mariana Muaze – Mediação: Silvana Louzada.

22/06: Fotografia pública e as mulheres – Ana Maria Mauad (LABHOI / UFF)

27/06: Fotógrafa: Rua, Polícia e Comunidade – com Jussara Paixão (fotógrafa da Polícia Civil), Márcia Foletto (O Globo), Thaís Alvarenga (Coletivo Negras[fotos]grafias) – Mediação: Silvana Louzada.

29/06: Relato de Experiência com Claudia Ferreira – fotógrafa, autora dos livros: Mulheres em Movimento e Marcha das Margaridas.

Continue Reading

Ambiente tropical, relaxante e divertido

Andrea Chung é uma artista americana que trabalha com fotografia, vídeo, pintura e ilustração. Em cartaz no Museu de arte contemporânea de San Diego, com a exposição “Você dividiu o oceano ao meio para estar aqui” (You broke the ocean in half to be here), o trabalho de Andrea retira antigas imagens de seu contexto anterior para coloca-las em novos contextos que invariavelmente discutem o colonialismo e imperialismo. Com família originária das ilhas do Caribe, Andrea reflete muito sobre a representação de ilhas como a Jamaica e Trinidade e Tobago diante dos países do primeiro mundo, como o próprio EUA.

 

Em seu trabalho “Sandálias de dedo: experimente o luxo incluído” (Thongs: experience the luxury included), Andrea retira a imagem do trabalhador braçal deixando apenas a imagem de seu trabalho físico, rastros de pequenas tropicalidades que discutem especificamente sobre como os turistas estrangeiros percebem a (falsa) realidade paradisíaca dos destinos de férias nas ilhas. A artista explora as percepções entre essas diferentes culturas, economicamente desiguais, onde sempre há um jogo de poder.

 

Andrea Chung, Sandálias: experimente o luxo incluído (você já imaginou um lugar completamente imaculado pelos efeitos do tempo?), 2010

 

Em seu trabalho “Volte para Jamaíca” (Come back to Jamaica), onde ela utiliza um vídeo original feito para atrair turistas no final da década de 90, podemos ver de novo seu claro diálogo entre trabalho, turismo, dinheiro e poder: tudo dentro de um contexto dos regimes coloniais e pós coloniais. Ao manipular imagens reais e antigas, Andrea revela o sonho imagético, e irreal, vendido para o “gringo” através de um mundo pitoresco e fantasioso.

 

Com humor, e muita sensibilidade, de maneira elegante, subjetiva e sutil, Andrea nos alerta para os perigos dos clichês e das representações de poder entre os países economicamente diferentes. Em outras palavras, mais densas e conflitantes, é um chamado ao consciente, olhar para além da imagem, de seus códigos e truques. Navegar para um lado mais real e menos pitoresco.

 

 

*A exposição de Andrea Chung fica em cartaz até dia 20 de agosto, MCASD Downtown, 1100 & 1001 Kettner Boulevard, San Diego.


			
Continue Reading