Dois textos, dois sites e duas grandes musas

Essa semana tem muita novidade no photolimits. Nossa coluna em francês está tomando forma, com dois textos já traduzidos aqui e muitos outros a caminho. Nossas colaborações com parceiros incríveis também continuam de vento em poupa. Essa semana temos dois textos publicados, sobre duas grandes musas, no site da Editora Subversos e do Ateliê Oriente.

 

Venha conferir nossas musas!

 

Dora Maar, 1935

 

A grande fotógrafa surrealista Dora Maar é a musa do primeiro texto da semana, no site da Editora Subversos, na coluna mensal Infinito Instante. Mais uma história de uma mulher, brilhante fotógrafa, esquecida nos confins da história, confundida com seu amante, denegrida. Mais uma história de #slutshaming ainda no início do século XX. No texto, tento mostrar a Dora Maar para além das pinturas de Picasso, seu percurso, suas imagens, suas ideias.

 

Uma outra grande dama é o tema do texto do site do Ateliê Oriente aqui. Paris e suas imagens, Paris e seu charme fotográfico! Existem muitas relações interessantes para indagarmos entre Paris e a fotografia: sua relação histórica com a mídia fotográfica, sua própria imagem ao longo dos anos e hoje em dia, sua inspiração como musa de tantos fotógrafos.

 

Elliott Erwitt, 1989
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É preciso falar, mesmo que palavras não sejam ditas

Quando o assunto é estupro, palavras podem ser duras ou difíceis. Tanto pelo lado da vítima, quando pelo lado cultural, muitas vezes não achamos força e expressão para falar sobre a agressão sexual. Os sentimentos fortes, os tabus, os clichês nos calam. Ainda bem que aos poucos os movimentos femininos estão acolhendo as histórias, as lembranças, as denúncias, mas bem aos poucos. A opinião pública no geral ainda ameaça e agride.

 

E o problema é mundial, e atinge milhões de mulheres, vítimas de uma história machista. Não há como ficarmos caladas para sempre, somos muitas, pelo mundo. Temos que quebrar o silêncio, gritar em alto e bom som, pois esse silêncio perpetua a cultura do estupro. É difícil, é doído se expor dessa maneira, para olhares julgadores. Mas podemos fazer isso com imagens também.  Nesses momentos a fotografia é uma boa aliada.

 

“Tem coisas que vimos na infância e adolescência que não conseguimos falar. E no momento que traduzimos essas lembranças no trabalho fotográfico, é como se estivéssemos nos liberando de tudo que guardamos calado dentro de nós”. – Thandiwe Msebenzi

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi, 2017

 

Thandiwe Msebenzi é uma fotógrafa sul africana que depois de sofrer um estupro iniciou uma catarse pessoal se retratando na série “Você não me vê”. Escondida por um jaqueta masculina – símbolo de seu agressor – não vemos a mulher; mas nessa sociedade machista que tentamos denunciar, em que momento vemos essa mulher? Aos poucos, em contato com outras mulheres e outras histórias, Thandiwe começou a retratar a ferida de cada vítima. E com isso a curar. Imagens sutis que falam muito, como a foto das armas que sua avó guardava embaixo da cama para se proteger.

 

Mouna Saboni é uma fotógrafa franco-marroquina que decidiu agir depois de ler um relatório da Anistia Internacional dizendo que 99% das mulheres egípcias foram vítimas de agressão sexual em 2015. Esse fato aberrante, comumente silenciado pela sociedade que não quer lidar e prefere manter tabu, fez Mouna dar voz e rosto a esses números exemplificados pela ONG. Mesclando texto e imagem, Mouna retrata a mulher, vítima, de maneira melancólica e poética, mas com o nítido resultado de uma realidade brutal.

 

“Eu me lembro bem, era uma noite fria de dezembro. 3 homens me surpreenderam quando eu estava entrando no meu carro. Eles eram policiais.”

 

“Eu não me lembro a última vez que eu andei sozinha na rua.”

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015

 

Mouna Saboni, O Medo, Egito, 2015
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Fotografia e ausência

Fotografia é ausência. O ato de fotografar vem com várias camadas de ausência, do espectador na imagem, do objeto fotografado, do tempo em que o objeto foi fotografado… Fotografar lida com o referente, um objeto que esteve lá mas que agora é ausência, como entendemos, revelando apenas distância: entre o espectador e o que ele vê.

 

Em seu livro 35 da História Naturalis, Plínio, o filósofo, nos conta a história da filha de um oleiro de Sicion que estava apaixonada por um rapaz que repentinamente teve de partir para uma longa viagem. Na cena de despedida, os dois enamorados estão em um quarto escuro, iluminados apenas por uma vela, ou um fogo, que projeta a sombra dos jovens na parede. Para guardar a memória do amante e seu traço físico atual, a moça desenha com carvão a silhueta do amado para fixar a imagem daquele que está ali agora, mas logo estará ausente. Percebemos que essa fábula sobre a origem da imagem nos remete ao referente: a sombra é índice, e essa figura desenhada com carvão é seu referente, literalmente seu traço.

 

Ausência do ser amado.

 

 

Em seu último trabalho,  “Ausência”, a fotógrafa Nana Moraes nos coloca em contato com histórias de algumas presas do Presídio Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Segundo capítulo de sua trilogia “DesAmadas” sobre mulheres marginalizadas (o primeiro foi “Andorinha” sobre prostitutas da Dutra) a fotografa retrata o difícil tema da maternidade nas prisões.  Além das imagens que faz, Nana conta as histórias dessas mães encarceradas longe de seus filhos, histórias que perpassam todos os níveis de ausência: do ser amado, da alma, da vida, da sociedade, do céu, do amor.

 

Com sua câmera, Nana capta as presas, suas celas, seu ambiente na prisão e também suas famílias do outro lado do muro. Mas ela vai além das imagens e cria um projeto de comunicação através da troca de cartas entre as detentas e suas famílias. O resultado final são imagens sensíveis e frases comoventes dessas duas vidas: de um lado as detentas, do outro seus filhos.  Com suas próprias mãos, a fotógrafa, agora bordadeira, também costura (12) colchas e retalhos das imagens, palavras e emoções recolhidas. Entre saudade e ausência, ela vai costurando no tempo.

 

“Quis fazer eu mesma todo o trabalho de costura pois ninguém nunca fez nada para essas mulheres.” – Nana Moraes

 

Assim como a própria mídia fotográfica, Nana reverte a ausência e preenche os relatos femininos, os amores despedaçados. A fotógrafa costura cada fenda e cada machucado, e de imagem em imagem, traça um novo caminho, mais pleno, para as detentas. Ao reverter a palavra ausência em plenitude, a fotógrafa dá uma nova chance a cada presa retratada e a cada espectador que embarca nesse projeto.

 

 

*A exposição “Ausência” de Nana Moraes fica em cartaz no Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, até dia 06 de agosto de 2017. Dia 29 de julho, ela fará uma mesa redonda sobre o projeto, às 16 hrs, no mesmo local.

 

 

 

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