Inspirada a pensar sobre arte e física pelo ótimo professor Lucas Sigaud nas aulas do PróSaber, no Rio, sobre arte, educação, filosofia e estética, resolvi escrever algumas considerações.
Ciência e arte são considerados mundos opostos. De um lado a ciência poderia ser definida como uma tentativa de explicar a natureza, e a arte seria mais uma interpretação desse mundo. Porém física e arte vão além, ambas perpassam seus limites e lidam com questões filosóficas da humanidade que acabam aproximando-as. Entre estudos exatos e considerações estéticas importantes, o resultado é: descobertas nas duas áreas que enriquecem a linguagem e a interpretação de ambas e que nos ajudam a lidar com o mundo a nossa volta.
A fotografia, desde o tempo das lanternas mágicas passando pela câmera obscura, estaria mais vinculada à ciência do que outras artes: na engrenagem dos aparelhos de fotografia, no filme colorido, nos jogos óticos das lentes. É uma mídia muito diferente da pintura ou escultura, ela só existe por causa da ciência.
A invenção da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como a arte. A fotografia encarna uma ”arte exata” e uma ”ciência artística”, o que não tem equivalentes na história. – Francesca Alinov
A fotografia é uma mídia derivada da técnica – lente, foco, distância, fonte de luz, papel de revelação, retoque – e assim, uma foto não é somente a conseqüência de uma impressão do referente na foto, é também uma interpretação das propriedades técnicas da câmera e de seus aparatos. Um filme Kodak vai ter características técnicas diferentes dos filmes Fuji, limitando uma certa leitura sobre as cores, por exemplo. O verde da fotografia de paisagem vai ser um símbolo do verde das matas que vivenciamos, apenas uma leitura técnica inserida no espectro possível de verdes do filme padronizado.
A relação da fotografia e ciência passa pela temática também. A fotografia vai mostrar beleza na ciência, aproximando-a da arte. Muitos artistas aproveitam as descobertas da física para criarem suas obras, como as teorias espaciais que estiveram em alta no século XX. Quando a física mostrou que o universo era muito maior do que imaginávamos, questões existenciais como “qual o nosso papel no universo?” surgiram e se estenderam às artes. Ou os seres microscópios, a eletricidade, as nuvens, o movimento, o som, tudo isso já serviu de tema para a fotografia estreitando os limites entre as duas áreas.
O artista alemão Christoph Keller é um bom exemplo do estreitamento entre arte e ciência. Formado em física, matemática e hidrologia antes de entrar na faculdade de arte, Keller dialoga com as duas áreas, arte e física, e faz isso, inúmeras vezes, através da fotografia.
Em 2011, fez uma exposição no Centre Pompidou chamada “Éter, da cosmologia à consciência”. Seu projeto expunha vídeos, fotografias e textos que lidavam com a questão: o que somos e para quem nos comunicamos? Para o artista o “aether” discute o conceito do desconhecido. Desde Platão, passando por Descartes, Newton, Pointcaré e Kant, o éter sempre apareceu como um conceito elusivo nas ciências e na filosofia.
Na filosofia representa a ausência de ausência, isto é, a impossibilidade de conceber o vazio. Na ciência representa um elemento e um meio, incapaz de mudança e mais sutil do que a luz. O éter é também o quinto elemento, que não tem qualidades e, por definição, nunca poderia ser exatamente concebido nem fisicamente comprovado.
A proposição do “aether” para a exposição é pensada como uma metáfora para o desconhecido. Onde estamos e de onde falamos? Sem dúvida, um dos desafios da arte, e da ciência, hoje é tentar responder essas perguntas. O éter é o vazio, o inominável que está ao nosso redor. – Christoph Keller
Numa exposição artística, o conceito de éter é usado com licença poética para dialogar com o conceito de desconhecido, da comunicação da arte e da posição do homem diante do universo. Entre sua base científica e artística, Keller aproxima os dois universos de maneira ambígua e polissêmica para dialogar, discutir e somar.