Manifesto

A arte não serve para nada.

Todo mundo fotografa bem com um celular hoje em dia.

Artista é vagabundo, perdido no mundo.

Cultura é desperdício de dinheiro.

 

Quem já não ouviu algum desses comentários? E outros tantos. Mas a arte não precisa servir para alguma coisa. Arte já é tudo.

 

A arte não serve para nada. A filosofia também não. Exceto como extensão da pessoa que se é, ou seja do homem que se é. O que se segue, e importa saber, é se o homem serve para alguma coisa. – Vergílio Ferreira

 

Mohamed Bourouissa

 

Em um lindo manifesto escrito como missão para sua fundação de arte, o colecionador africano Sindika Dokolo vai direto ao ponto quando fala de arte, cultura e África.

 

Ao promover a cultura da estética e do conhecimento no nosso continente país, estamos a dignificar o ser africano brasileiro. Este esforço de todos os atores culturais, a começar pelos Estados que são confrontados com o desafio da luta contra a pobreza e subdesenvolvimento, é uma celebração da humanidade em cada um de nós. Esta consideração de África Brasil por si mesma revela-se como auto-estima. Do olhar do outro, da sua admiração, nasce a consciência do nosso próprio valor. – Sindika Dokolo

 

Sim, arte importa, e serve para muita coisa, para dignificar e expressar o homem, para encorajar e ajudar também. Talvez não sirva para questões mais utilitárias e palpáveis… Se bem que, muitas escolas e empresas usam a arte hoje com um foco mais objetivo, explorando as formas como a arte pode falar diretamente com o ser humano, indo além do entretenimento e oferecendo estímulo, consolação e explicação a desafios reais de nossas vidas. A School of Life é uma dessas escolas que propaga esse pensamento, como podemos ver no vídeo abaixo, com ilustração e tudo.

 

 

Fica aqui meu manifesto pela fotografia. Como temos discutido nesse site, fotografia nos ajuda a pensar sobre nossa sociedade e nós mesmos. Serve, e muito.

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Aprimorando o olhar através do outro

 

Você não fotografa apenas com a câmera. Você traz com você todas as imagens que já viu. – Ansel Adams

 

O fotógrafo domina o uso das câmeras, lentes e os programas digitais como o photoshop, bem como as técnicas de iluminação, enquadramento e direção para captar a melhor imagem possível. Mas nada disso é possível (ou será bem feito) sem observar outros olhares. Ou seja, olhar através das imagens de outros fotógrafos.

 

Praia, Tríptico, nº 25, Alair de Oliveira Gomes, 1985

 

Nos dias de hoje, essa questão perpassa a todos. Pois não apenas os fotógrafos lidam com imagens; tirar, ver e compartilhar fotos já virou rotina para a maioria da população. São milhares de imagens nos bombardeando a todo momento. Mas nem sempre nos damos conta da complexa construção de uma imagem.

 

O poder da fotografia é muito mais complicado do que gostaríamos de admitir. – Marvin Heiferman

 

Então fica a dica, não perder aquela super exposição na sua cidade, com muitas imagens, e explicações sobre o fotógrafo. Passar na galeria perto da sua casa para discutir um pouco com outras pessoas. Mas vamos sair do óbvio. Que tal uma dica para adentrar outras imagens sem sair de casa?

 

O Google entrou no mundo da arte em 2011 com o Google Arts and Culture. A ideia é ser uma plataforma gratuita com imagens de obras de arte em alta resolução, onde as pessoas podem acessar livremente diversos acervos de seus vários parceiros pelo mundo: Tate, MOMA, Met, o nosso Museu do Amanhã, Getty’s Image… são mais de 150 museus em 40 cidades ao redor do mundo que aderiram a plataforma.

 

A câmera do Google Art reproduz imagens de mais de um bilhão de pixels! Com isso, você pode “zoomar” nas imagens vendo detalhes incríveis e de uma maneira diferente da formalidade do museu. As possibilidades de pesquisa são múltiplas, você pode pesquisar por fotógrafos específicos, acervos, imagens de acordo com cor ou tempo, fazer tours virtuais em diversas línguas, além disso, existem exposições pensadas exclusivamente para a espaço virtual. E com as imagens, a plataforma ainda mescla som, vídeo, texto, google street view… É uma enorme ação que engloba o mundo inteiro, aumenta e democratiza o acesso a arte, atrai novos públicos, complementa a visita real ao museu ou galeria e amplia as oportunidades de pesquisa, entendimento da imagem e o potencial de educação.

 

Detalhe da foto de Reg Lancaster, Paris, 1968
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Vamos bater um papo imagético?

A alma nunca pensa sem uma imagem mental. – Aristóteles

 

Dois amigos, Ben e Nat, resolveram levar ao extremo o conceito de fotografia como linguagem, e começaram uma conversa em imagens. Em vez de frases, parágrafos e pontuação, apenas imagens. O exercício deu tão certo que os dois criaram o site a new nothing,  onde outros fotógrafos podem iniciar diálogos. Tipo um chat só de imagens.

 

Charlie Rubin + Anastasia Samoylova, A new nothing

 

Usando fotografias inéditas e autorais ou imagens de arquivo, não importa, a intenção é que o diálogo seja provocado espontaneamente; por efeito estético ou formal ou poético, por recordações, ou sonhos… Os caminhos são inúmeros, e os resultados em sua maioria interessantes e lúdicos.

 

A fotografia é uma linguagem e como tal constrói representações e comunica, transformando a realidade e sendo por ela transformada.

 

Se em uma conversa comum, já estamos sujeitos a inúmeras interpretações pessoais, advindas de diferentes culturas, referências, mitos e olhares sobre o mundo, numa conversa imagética, cada um vai usar sua percepção individual e sua representação abrindo possibilidades incríveis de comunicar e transformar. A fotografia, com isso, ultrapassa os limites da duplicação do real, criando novos olhares sobre o nosso universo, e revelando muito sobre nós mesmos.

 

Markus Andersen + Elif Suyabatmaz, projeto Mirrored, 2015

 

A arte, desde seus primórdios, representa a capacidade humana de interpretar e organizar o mundo em elementos desenvolvidos a fim de refletir suas visões e suas ideias. A imagem fotográfica, tão difundida e imediata em nosso atual momento, com uma profusão de práticas e estímulos, propicia uma maior articulação e um diálogo em pleno desenvolvimento.

 

E aí, vamos bater um papo fotográfico?

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Sobre a importância de se lembrar

Todos recordam: de viagens, rostos, conversas, risos, brindes, passagens da infância, trechos de conversas, aulas da faculdade, discursos, fatos… O ser humano tem essa capacidade cognitiva de lembrar. E essas memórias, individual e coletiva, se relacionam para criar uma narrativa, uma história comum.

 

Essa história é importante para construirmos uma identidade pessoal e social dentro de uma comunidade comum, seja ela a família, a cidade, o país… Sem o ato de lembrar, deixamos de ter uma história, e com isso perdemos a base, nos esquecendo de quem fomos, somos e queremos ser. A memória é primordial para a nossa duração, sendo condição para apreender e adaptar-se no mundo. Através da memória temos acesso a como percebemos a realidade e a interpretamos.

 

LEMBRAR ALTERA NOSSA PRECEPÇÃO DO MUNDO E DO EU.

 

Labhoi, Coleção Carnavais de Rua de Niterói

 

Nesse processo de lembrar para criar uma história e sentido à vida, existem vários centros de memória, com documentos e arquivos – visuais, orais e textuais – de pessoas e eventos que marcaram algum momento.

 

Todo documento não é prova irrefutável de alguma coisa, mas vestígio de algo que se quis legar à posteridade. – Gabrielle da Costa

 

Entre tantos centros de memória, temos o LABHOI. Ligado a Universidade Federal Fluminense, mas aberto a todos os pesquisadores, esse laboratório da história oral e da imagem se propõe a ser um centro de referência na história da imagem. Através de uma investigação, um diálogo e uma abordagem crítica, o laboratório quer discutir as várias vertentes da imagem: documento e arte, diferentes técnicas como o cinema, video, fotografia e cartografia, a imagem e sociedade, a história da imagem… O laboratório tenta ser mais do que apenas um centro depositário de memória, sendo também um centro de estudo e debate.

 

Estudar história da imagem significa tomar o olhar como objeto da investigação histórica. O olhar nunca é inocente!

 

Labhoi, Coleção de Imagens Acervo Agudás (por Milton Guran), Celebração de N. S. Bonfim em Porto Novo, Rep. do Benim

 

O laboratório disponibiliza artigos, publicações, entrevistas com grandes fotógrafos brasileiros, estudos e imagens. Isso ajuda a manter aberto as possibilidades de lembrar, com o adendo de um debate inteligente e agregador.

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Recordar é viver

 

Uma grata surpresa caiu nas minhas mãos esse início de ano: o livro “O sal da terra – fotografias da Região dos Lagos de 1930/ 1970” de Wolney Teixeira, organizado por Mauro Trindade. Ganhar presentes de pessoas inesperadas é sempre uma grata surpresa, ainda mais sendo um livro de fotografia. O cúmulo da alegria foi constatar que esse livro fala da região onde passei a infância: as salinas da Região dos Lagos.

 

 

Com avô e tio ligados à produção de sal, cresci correndo nas colinas brancas e brincando com meus primos nos pátios da refinaria. Mas a produção de sal na Região dos Lagos lida com muito mais do que as minhas memórias gostosas de criança, lida com a história e o desenvolvimento de uma importante região, documentada por poucos.

 

Wolney Teixeira de Souza foi o primeiro e, durante muito tempo, o único fotógrafo de Cabo Frio e de grande parte do seu entorno. – João Henrique de Oliveira

 

Wolney Teixeira nasceu em 1912 no Rio, com dez anos se mudou para Cabo Frio e lá ficou. Filho de fotógrafo, começou a carreira usando o equipamento antigo do pai para sobreviver. Fez de tudo, entre encomendas fotográficas dos salineiros a retratos 3×4 para documentos oficiais. Ao longo de sua carreira fotografou as belezas geográficas da região – Arraial do Cabo, Búzios, Macaé – fez retratos lindíssimos da população, registrou eventos políticos e sociais – comícios, shows, festas, casamentos – da cidade de Cabo Frio, e muito de seu desenvolvimento urbano e de suas paisagens de sal. O fotógrafo deixou mais de 10 mil negativos.

 

Graças à preservação de seus negativos, e do projeto de livro e exposição em 2011, hoje temos acesso à uma memória coletiva importante. E eu, as minhas alegres memórias pessoais.

 

    

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